Faz uma semana que perdi meus óculos. Desde três anos de idade, eu os uso. Lembro que quando os coloquei, tudo "ficou clarinho", como pro Miguilim do Guimarães (aliás, essa é uma das partes que mais me emocina no livro). Meus óculos (assim como meus cabelos) são uma espécie de autobiografia: projetam no exterior uma profunda imagem do interior. Fiquei pensando, inclusive, sobre a mudança dos penúltimos óculos para os últimos: fui de um destaque dos óculos num pesado acetato preto, para uma tentativa de destaque dos olhos com as lentes anti-reflexo. Junto com os óculos, comprei um kit de maquiagem. Eu nunca usava maquiagem porque achava que ela servia para esconder algo. Ledo engano: a maquiagem realça e revela, e talvez por isso mesmo eu a evitasse. Ser uma "garota de óculos" sempre foi mais confortável do que "ser uma garota de olhos verdes". (Ironicamente, o único lugar em que uso maquiagem, é nos olhos...) Por falar em conforto, os primeiros dias sem os óculos foram um verdadeiro inferno: dor de cabeça insuportável, dor no fundo dos olhos e uma sensação de que eu não sobreviveria mais um dia daquele jeito. Depois, a dor de cabeça sumiu completamente. Foi aí que eu lembrei que o oculista havia dito que, tecnicamente, eu não preciso de óculos porque o meu grau é residual. Mas logo descartei a idéia de ficar se eles: os óculos fazem parte de uma imagem corporal. Ficar sem eles é o mesmo que acordar com um nariz completamente diferente do que eu tenho. O problema da perda dos óculos é que, diferentemente de uma pessoa que acorda com outro nariz, eu não fiz um plano estratégico (e psicológico) para uma nova imagem, o que significa simplesmente que eu não elaborei esse desejo na minha cabeça. Eu acordei e os óculos não estavam ao lado da cama. Refiz todos os meus passos do dia anterior e os óculos não apareceram. Já perdi a esperança de encontrar a minha terceira perna (que é útil para quem não tem as duas outras fucionando bem, mas completamente sem sentido para quem as tem funcionando), mas a última coisa que eu sinto agora, é conforto. O que será que eu perdi quando perdi os meus óculos?