Saturday, October 18, 2008

Óculos

Faz uma semana que perdi meus óculos. Desde três anos de idade, eu os uso. Lembro que quando os coloquei, tudo "ficou clarinho", como pro Miguilim do Guimarães (aliás, essa é uma das partes que mais me emocina no livro). Meus óculos (assim como meus cabelos) são uma espécie de autobiografia: projetam no exterior uma profunda imagem do interior. Fiquei pensando, inclusive, sobre a mudança dos penúltimos óculos para os últimos: fui de um destaque dos óculos num pesado acetato preto, para uma tentativa de destaque dos olhos com as lentes anti-reflexo. Junto com os óculos, comprei um kit de maquiagem. Eu nunca usava maquiagem porque achava que ela servia para esconder algo. Ledo engano: a maquiagem realça e revela, e talvez por isso mesmo eu a evitasse. Ser uma "garota de óculos" sempre foi mais confortável do que "ser uma garota de olhos verdes". (Ironicamente, o único lugar em que uso maquiagem, é nos olhos...) Por falar em conforto, os primeiros dias sem os óculos foram um verdadeiro inferno: dor de cabeça insuportável, dor no fundo dos olhos e uma sensação de que eu não sobreviveria mais um dia daquele jeito. Depois, a dor de cabeça sumiu completamente. Foi aí que eu lembrei que o oculista havia dito que, tecnicamente, eu não preciso de óculos porque o meu grau é residual. Mas logo descartei a idéia de ficar se eles: os óculos fazem parte de uma imagem corporal. Ficar sem eles é o mesmo que acordar com um nariz completamente diferente do que eu tenho. O problema da perda dos óculos é que, diferentemente de uma pessoa que acorda com outro nariz, eu não fiz um plano estratégico (e psicológico) para uma nova imagem, o que significa simplesmente que eu não elaborei esse desejo na minha cabeça. Eu acordei e os óculos não estavam ao lado da cama. Refiz todos os meus passos do dia anterior e os óculos não apareceram. Já perdi a esperança de encontrar a minha terceira perna (que é útil para quem não tem as duas outras fucionando bem, mas completamente sem sentido para quem as tem funcionando), mas a última coisa que eu sinto agora, é conforto. O que será que eu perdi quando perdi os meus óculos?

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